Houve um tempo em que sábado à noite era sagrado.
A pergunta não era “vamos sair?”, e sim “qual a boa da night?”. A rotina era quase um ritual: depois da novela das nove, a gente tomava banho, colocava a melhor roupa, passava um perfume exagerado e partia pro bar da turma, o famoso “esquenta”. Lá pelas onze e meia, o garçom já sabia — quando o relógio batia meia-noite, vinha o pedido: fecha a conta que a noite tá só começando.
Show bom, naquela época, não começava antes da uma e meia da manhã. E uma boa noitada terminava com o sol nascendo, os olhos ardendo e o corpo pedindo cama. O máximo que se temia era a ressaca do dia seguinte — e olha lá. Medo de assalto, de bala perdida ou de morrer por estar na rua? Isso não fazia parte do cardápio. O perigo era tropeçar no salto ou perder a chave do portão.
Mas o tempo virou.
A escalada da violência, da criminalidade, da sensação de insegurança... tudo isso mudou a forma de viver. As boates foram sumindo, os shows começaram mais cedo, e hoje, meia-noite, a maioria já tá em casa, de pijama, zapeando alguma série.
É triste? Sim, é. Perdemos o direito de escolha. Mas — convenhamos — acordar no domingo sem ressaca também tem seu valor.
O que dói mesmo é ver a inversão de valores. Vivemos num país onde o presidente chega a dizer que o traficante é vítima do usuário. É a velha história do poste mijando no cachorro — e ainda cobrando pra isso.
Abre qualquer jornal ou rede social e veja: a palavra da vez é “segurança”. Todo mundo fala nela, mas só parece haver comoção quando morre bandido. Quando o tiro pega em gente inocente, trabalhador, jovem, pai de família... a notícia vira rodapé. É como se o crime tivesse virado parte do espetáculo e a vida, um detalhe.
E o discurso de parte da esquerda — ah, esse cansa. Querem polícia que não entre em comunidade, mesmo quando há mandado. Querem que o policial vá desarmado, sorrindo, pra ser recebido a tiros e não revidar. É o mundo de cabeça pra baixo: a defesa do criminoso travestida de “preocupação social”.
Não dá mais pra negar — existe um Estado Paralelo.
Tem suas próprias regras, leis, economia, religião, imprensa e território. É um Estado dentro do Estado, onde o Estado de Direito não entra. O Complexo do Alemão, por exemplo, virou abrigo de criminosos de várias partes do Brasil. De lá partem ordens, estratégias, ações armadas. E quando a polícia tenta reagir, dizem que é massacre.
Quem defende bandido, escolhe um lado.
Quem condena a polícia por prender criminoso, afronta a justiça.
Quem chora pelos que atiram, mas não pelos que tombam uniformizados, já decidiu de que lado da trincheira está.
E agora, o mais bizarro: o filho de um dos maiores narcotraficantes do mundo anuncia que será candidato a deputado. Pergunto — vai ser pela esquerda ou pela direita? No fim das contas, o que importa é o recado: o Estado Paralelo está se infiltrando no Estado Formal. E muitos fingem não perceber.
Talvez seja por isso que hoje, o sábado à noite termina mais cedo.
Não porque a gente envelheceu, mas porque o país adoeceu.
E nessa doença social, dormir cedo virou sinônimo de autopreservação.
No fim, cada um se protege como pode — uns com grades, outros com orações.
E a gente vai se lembrando, com uma ponta de saudade, do tempo em que o único perigo do sábado era a ressaca de domingo.